O processo de autovalidação para pessoas negras é sempre duplamente trabalhoso

Vitória Torres
2 min readSep 30, 2021

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Incentivar o processo de autoaceitação e autovalidação é um das experiências mais bonitas que deveríamos ter, pois esse gesto acaba se configurando em uma ferramenta importante para a concretização da nossa autonomia. A busca pela autoconfiança se constitui em um ato de liberdade poderosíssimo frente à imposição do outro sobre nossos corpos e existências. Mas iniciar esse processo e permanecer nele tem sido cada vez mais difícil para nós, pessoas pretas. Primeiro porque não nos reconhecemos nesse lugar. Demora muito até que acreditemos que sim, somos seres capazes de receber amor. Segundo, porque é preciso uma força descomunal para não cair nas minúcias do racismo. É necessário que estejamos atentas a todo instante aos alarmes falsos da mente, que insistem em querer validar o outro e suas ideias deformadas sobre nossas vivências.

Ás vezes é cansativo ter que me olhar no espelho toda semana e dizer mantras bonitos e poderosos para que meu orì entenda de uma vez por todas que eu sou boa, capaz, suficiente, que eu existo e que mereço essa existência e as belezas trazidas por ela. Imagina, levamos muito tempo para acreditar na nossa capacidade de produzir, criar, escrever e, de uma hora para outra, tudo isso passa a ser questionado, negado, silenciado e destruído. São anos para treinar os pensamentos, arquitetar pressupostos, expulsar as negativas da mente, para ver uma pessoa branca destruir toda nossa autoconfiança em uma fala que dura menos de dois segundos.

Se acolher e se amar é ótimo e deveríamos incentivar isso para que não nos tornemos dependentes do outre, mas para nós o autoamor não é suficiente, não se ainda estivermos inseridos em um contexto de desvalidação racista. Talvez seja por isso que muitos de nós têm se tornado cada vez mais exigentes com os erros, mais rígidos com as falhas, porque sabemos que um passo em falso pode colocar em risco todo esse processo de autoaceitação. Errar é duplamente mais árduo para nós.Claro que tudo isso esgota e coloca em cheque todas as nossas energias, por isso, à primeira vista, parece muito mais simples ceder às armadilhas do outro do que runir forças para (re)validar nossa existência. Mas ao mesmo tempo, não podemos esquecer que as estruturas que estamos tentando erguer, apesar de tudo, foram feitas com o intuito de resistir e continuar de pé. E, por mais doloroso e injusto que seja esse processo, ainda assim é ele quem nos guiará a uma estrada de empoderamento e autonomia. Talvez seja um bom lembrete para acionar nos momentos de frustração.

Hoje, escrevendo esse texto com lágrimas nos olhos, lembrei da frase de uma amiga muito querida: “Você levou anos para construir sua autoestima, Vitória, foram muitos anos para que você chegar aonde chegou e por mais que tentem, ninguém, absolutamente ninguém, pode destruir isso. Essa construção feita por você, é de alvenaria com coluna de sustentação e está mais do que revestida, lembre-se disso."

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Vitória Torres

Escritora de linhas frágeis. Guiada pelo poema-palavra