Dois de fevereiro

Vitória Torres
2 min readFeb 2, 2023

--

O sol a essa hora atinge seu auge. É uma quinta feira, dia de Iemanjá. O trânsito das 14 horas não me estressa tanto quanto antes, desde que o céu esteja aberto e limpo, minha angústia diminui. E, além do mais, é dia de Janaina, ela não ia me querer triste, penso eu. Entro no carro com um boa tarde tímido, a prestar atenção na estação de rádio. O programa fala sobre o dia 2 de fevereiro na Bahia e a grande festa para Odoyá. Seu Joel, o motorista, elogia meu nome com uma alegria contagiante:

— Vitória é nome de guerreira, a moça tem o mesmo nome da minha mãe.

Olho para seu Joel com um afeto sem igual; a pele preta dele se acomoda no banco do carro, enquanto seu braço pende do lado de fora da janela.

A conversa se envereda pelos preços dos alimentos, a guerra que não tem fim, a vida e a morte.

— Por isso eu falo, Vitória, a vida não tem outra hora, é agora. Não sei se estarei aqui amanhã, por isso, coloco minha roupa mais bonita, celebro meu dia, sem temer o que estar por vir. Já vi muito homem caindo descontrolado, com os planos todos prontos, com a soberba grudada na cabeça sem saber com o que fazer com o fim. Só quem tem poder mesmo é Deus, o resto de nós fica com o imprevisível mesmo.

Seu Joel tem uma fala mansa que lembra meu pai. Guardo seus ensinamentos em minha memória. Olho para o crucifixo pendurado no espelho do carro e fico a me perguntar se a Virgem preta do terço não seria a própria Iemanjá, a abençoar seu Orì com tamanha sabedoria. Balbucio um boa semana, seu Joel, obrigada pela viagem, que Deus o abençõe enquanto ele repete com firmeza: Que a vida acompanhe a senhora!

Toco meu Orì com amor, agradecendo Iemanjá pela dádiva da vida!

Erù-Iyá, Odoyá!

--

--

Vitória Torres

Escritora de linhas frágeis. Guiada pelo poema-palavra